terça-feira, 29 de junho de 2010

Dez anos depois, repercussão do genoma no tratamento de doenças é limitada.


A descoberta da sequência completa de substâncias bioquímicas que compõem o código genético humano foi comparada, em 2000, à chegada do homem à Lua

O dia 26 de junho de 2000 ficou marcado na história da ciência. Naquela data, o então presidente dos EUA Bill Clinton e o primeiro-ministro britânico Tony Blair anunciaram o primeiro grande esboço do genoma humano. O evento começou às 11h20 de Brasília no salão principal da Casa Branca, em Washington, e durou cerca de 40 minutos. Clinton abriu a sessão, passando a palavra depois para o primeiro-ministro britânico, em evento simultâneo em Londres.

Com eles, os responsáveis pelo feito: o consórcio público internacional Projeto Genoma Humano (PGH), comandado liderado pelo cientista Francis Collins, e o grupo rival, a empresa americana Celera, de Craig Venter. Apesar do aparente clima de paz, o evento encerrava meses de uma disputa acirrada: enquanto o consórcio havia pedido 15 anos e US$ 3 bilhões para fazer o sequenciamento, a empresa de Venter o fez em menos de um ano, com o orçamento divulgado de US$ 200 milhões.


A descoberta da sequência completa de substâncias bioquímicas que compõem o código genético humano foi comparada, na época, à chegada do homem à Lua. Por mais que os envolvidos no projeto dissessem que a descoberta só traria frutos em algumas décadas, a expectativa era altíssima. A indústria farmacêutica começou a investir em genômica e os cientistas prometiam que, em pouco tempo, haveria diagnósticos e tratamentos mais eficientes para inúmeras doenças.

Leigos x pesquisadores
Dez anos depois do feito, é difícil para um leigo identificar algum benefício trazido pelo sequenciamento do genoma humano. Embora muito se ouça sobre descobertas de genes associados a doenças, ainda não existe um tratamento revolucionário para o câncer ou o Alzheimer, por exemplo. A professora e pesquisadora Lygia Pereira, do departamento de genética e biologia evolutiva da USP (Universidade de São Paulo) concorda que muitas promessas anunciadas na época ainda estão muito longe da realidade.

Do ponto de vista do cientistas, no entanto, o sequenciamento foi mesmo um divisor de águas. “Ele revolucionou a forma como se faz pesquisa”, diz ela. O que antes levava meses de trabalho braçal, agora é resolvido com uma consulta ao banco de dados. E essa facilidade, sim, vai se reverter em terapias mais eficientes em um futuro próximo, mas ainda difícil de ser previsto, segundo a pesquisadora.

Antes de 2000, os cientistas achavam que conhecer todos os genes seria o suficiente para compreender como o ser humano funciona e, quem sabe, consertar o que estivesse errado. Mas o sequenciamento do genoma só fez todo mundo perceber o quão complexa é a origem de certas doenças. “O que a gente descobriu, na verdade, é o quanto a gente não sabia”, avalia Pereira. Em outras palavras, conhecer cada um dos "ingredientes do bolo" e a ordem em que são adicionados não garante que a receita dê certo. Há muito mais informação em jogo no chamado “livro da vida”.

Fonte: UOL Ciência e Saúde em 26/06/2010.