quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Existe o perigo da internacionalização da Amazônia?

A internacionalização da Amazônia é um fantasma que vira e mexe volta à mídia. Muitas vezes por palavras de militares das Forças Armadas que têm entre suas preocupações tradicionais as questões de soberania nacional. Outras por declarações como as do então presidente da França, François Mitterrand, que, em 1991, disse que "o Brasil precisa aceitar a soberania relativa sobre a Amazônia". Outras vezes por deputados ou outras instituições que reclamam da presença de organizações não-governamentais internacionais na região.


Na internet, são freqüentes os boatos da existência de um livro didático de geografia norte-americano que separaria a região do resto do Brasil. O livro, na verdade, é uma farsa. Há também um interessante discurso sobre o tema do senador Cristovam Buarque, que inclusive está publicado no seu blog, que volta e meia invade as caixas postais dos internautas. Enfim, a internacionalização parece mais uma dessas teorias da conspiração.

Historicamente, a Amazônia, no entanto, foi uma das partes mais separadas econômica, social e politicamente do resto do Brasil. Seja no Brasil Colônia, seja nos tempos contemporâneos. Só para entender o imbróglio, duas histórias dos interesses internacionais ou do desinteresse nacional com a região.

A correspondência do embaixador inglês no Brasil no início da independência brasileira (1822) mostra que o então regente Feijó pediu ajuda militar inglesa e francesa, através dos seus embaixadores, para acabar como a Cabanagem, revolta separatista ocorrida na região. Já nos tempos de Dom Pedro 2º, o chefe do Observatório Naval de Washington defendeu a tese da livre navegação internacional do rio Amazonas, por causa do seu volume de água “oceânico”.

Desabitada e desconhecida, a região acabou sendo explorada pelo governo brasileiro de maneira mais efetiva apenas no século passado quando
Marechal Rondon, pai da política indigenista brasileira, começou a instalar os telégrafos na parte mais desabitada do país. Depois outros militares, principalmente durante a ditadura militar (1964-1984), decidiram “povoar” a região em nome da soberania nacional, criando as rodovias transamazônica e Belém-Brasília.

Em 1985, durante a transição democrática, foi criado o
Projeto Calha Norte, uma forma de ampliar a segurança na face norte do rio Amazonas a mais desabitada do país e a mais vulnerável.


Ao mesmo tempo, principalmente, nas últimas décadas do século 20 e no século atual, o interesse mundial pela região começou a crescer de uma maneira muito maior que, por exemplo, nos tempos do ciclo da borracha. Afinal, o mundo se deu conta dos perigos da devastação desenfreada da natureza que provoca fenômenos como o
aquecimento global e a maior floresta tropical do mundo começou a ter mais importância.

A
biodiversidade, ainda hoje, em grande parte, desconhecida da região, é alvo dos olhos de cientistas e biopiratas. E as empresas de capital internacional investem principalmente no setor de extração atrás das riquezas da região.

Bom, por essas e por outras, a região é de interesse mundial. Mas e a internacionalização da região é realmente um perigo.

A pan-amazônia

É bom lembrar para que a tal região amazônica não é uma exclusividade brasileira. O Brasil tem a maior parte (cerca de 80%) dos 7 milhões de quilômetros quadrados. O restante fica com a Venezuela, Suriname, Guiana, Guiana Francesa, Equador e Colômbia, formando a pan-amazônia.


O fantasma e a realidade


Internacionalização quer dizer, para os dicionários, tornar-se internacional ou ato de trazer algo sob controle internacional. No aspecto político, o termo pode querer dizer a quebra de uma soberania nacional em determinada região.

A
Constituição brasileira não permite, já no seu primeiro artigo, dizendo que “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal...”
Nos acordos internacionais, o princípio absoluto da não intervenção tem parâmetros estabelecidos na ordem global e passa a admitir como exceções a intervenção – inclusive armada – para o (r)estabelecimento de regimes democráticos, a proteção da propriedade privada e a defesa dos direitos humanos. Foram alguns dos argumentos para acontecer a intervenção dos Estados Unidos no Iraque após a queda do ditador Saddam Hussein.

Há, no entanto, um outro tipo de internacionalização que nada mais é do que a forma como o capitalismo se estruturou desde o século passado e que chamamos de
globalização. A grosso modo, é a diminuição das limitações para trocas comerciais entre países. Na prática, é o que vemos em todos os países: empresas multinacionais instaladas e produtos oriundos dos mais diferentes países.


Olhando por esses dois ângulos, podemos dizer que a quebra da soberania brasileira, como teme o exército quando se fala da Amazônia, é praticamente uma fantasia. Não há governo, estadista ou político que fale do assunto com esses viés atualmente.

Do outro lado, a globalização está completamente presente na região. Seja pela presença de diversas multinacionais, principalmente nos setores mineral e madeireiro, seja pela número de institutos de pesquisas e organizações não-governamentais (ONGs) presentes na região.
Aliás, são, principalmente, as ONGs a grande preocupação do Exército que as consideram possíveis criminosos e estariam tomando o lugar do Estado.

Durante uma audiência da
Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, da Câmara dos Deputados, o secretário de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais do Ministério da Defesa, general-do-Exército Maynard Marques Santa Rosa, disse que há 100 mil organizações não-governamentais operando na Amazônia brasileira. Para ele, as ONGs visam principalmente a defesa do meio ambiente e dos direitos indígenas, mas, segundo ele, "muitas têm interesses ocultos como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, tráfico de armas e de pessoas e até mesmo espionagem".


Para muitos pesquisadores, o que há, na verdade, é uma intenção do Exército brasileiro de ir atrás de um novo “inimigo”. Como aponta Andréa Zhouri, do departamento de Sociologia e Antropologia, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), “os ambientalistas passaram a ocupar, juntando-se aos comunistas, o mesmo lugar simbólico e político de “inimigos da nação” no imaginário militar”.


Obviamente, há diversos jogos de interesses conflitantes na região que tem a ver tanto com setores internacionais ou globalizados, como com nacionais e regionais. Enquanto isso, a Amazônia se internacionaliza como praticamente todas as regiões do mundo.