sexta-feira, 9 de julho de 2010

Jovens - Geração álcool...

Um furacão entra em casa e desestrutura a família quando um dos filhos se entrega de corpo e alma à bebida alcoólica. Veja como driblar essa situação difícil, mas que pode ser controlada com diálogo e compreensão.
Tudo começa como uma brincadeira. Primeiro um golinho só para experimentar. Mesmo que o sabor não tenha sido tão bom assim, a criança arrisca pedir mais um pouco, afinal foi o alvo da atenção da família inteira e essa é uma sensação boa. Depois, a façanha se repete no próximo almoço de domingo ou, quem sabe, numa festinha de aniversário. Esse é o princípio de um círculo vicioso — bebida alcoólica, centro das atenções, risos de alegria — que pode jogar uma vida que mal se iniciou na dependência do álcool.

“É assim mesmo, pelo estímulo dos familiares, que a maioria dos casos de adolescentes que abusam do consumo de álcool começa. O exemplo deve ser dado em casa, porque, quanto mais tarde a criança tiver contato com bebidas alcoólicas, menores serão os riscos de ter um problema futuro”, diz o médico psiquiatra Marcelo Niel, colaborador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Segundo o psiquiatra, “as crianças estão começando a beber cada vez mais cedo. Com 11 ou 12 anos já vão para o pronto-socorro apresentando problemas de abuso de álcool”. Esse dado, também confirmado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é uma constante no dia-a-dia do chefe do serviço mental do Hospital Municipal Lourenço Jorge, no Rio de Janeiro, Leonardo Gama Filho. “Tenho 18 anos de atendimento em pronto-socorro e cada vez mais os médicos psiquiatras são solicitados a atender casos de intoxicação por álcool e outras drogas em unidades de pediatria, que resultam em acidentes, alterações comportamentais”, diz.

"Tenho 22 anos, há um ano estou em abstinência. Aos 18 anos comecei a beber todos os finais de semana. Saía em baladas e, conseqüentemente, nesses lugares conheci pessoas que faziam uso de outras substâncias. Sem perceber, passei a freqüentar festas raves, virando noite sem dormir, e, o pior, achando isso normal. Tive um filho, o que me fez parar com tudo imediatamente e por vontade própria. O pai dele continuou a sair e fazer uso de substâncias, por isso tive que me afastar. Depois do nascimento da criança, voltou o desejo de sair e seis meses depois experimentei cocaína.

"Parar não é fácil, exige muito esforço. Fiz tratamento no Centro Terapêutico Viva e hoje nada disso faz mais parte de mim, por que nunca fez. Hoje, sou eu mesma e toda e qualquer pessoa é capaz de voltar a ser o que era antes da droga, de encontrar sua verdadeira essência de fazer coisas boas para si mesma".A., 22 ANOS, S ÃO PAULO, SP

Fácil de comprarApesar de o consumo de bebidas alcoólicas aqui no Brasil ser permitido somente para maiores de 18 anos, não é nada difícil para os adolescentes comprar e consumir cerveja ou bebidas tipo “ice”. Os dois tipos têm baixo teor alcoólico e, por isso mesmo, ninguém pára no primeiro copo.

As conseqüências imediatas do abuso dessas substâncias são bem negativas e incluem problemas de aprendizado, a prática de sexo sem proteção e, até mesmo, sem consentimento, expondo-se a uma gravidez não desejada ou doenças sexualmente transmissíveis (DST), como a aids, maior risco de suicídio ou homicídio e vários tipos de acidentes relacionados ao consumo exagerado.

Uma das explicações do psiquiatra Gama Filho para o crescente número de adolescentes envolvidos em episódios com bebidas “é o constante incentivo da mídia ao consumo de álcool. Várias cervejarias patrocinam eventos jovens, com o apelo da imagem de mulheres bonitas. Além disso, até mesmo as celebridades ajudam a disseminar a idéia de que basta um tempinho numa clínica de desintoxicação para se livrar do alcoolismo, mas na realidade não é tão fácil quanto parece. O termo rehab já virou até tema de música, e a reabilitação, que está se tornando muito comum entre os famosos, é vista mais como uma passagem por um spa do que propriamente uma intervenção terapêutica de emergência”.

"Comecei a beber com 13 ou 14 anos com um grupo de amigos e achava que os problemas sempre aconteciam com os outros e nunca comigo. Quando me dei conta, não tinha mais controle com a bebida e, ainda, era usuário de outras drogas. Estava com 17 anos e já era alcoólatra, tinha passado duas vezes pela Febem, fiquei na rua, os meus amigos não tinham mais confiança em mim e a minha família estava por um fio de tanto que eu mentia para poder beber. Depois da última vez que fiquei preso, fui para uma clínica de recuperação e lá eles trabalhavam com a terapia dos Alcoólicos Anônimos, que mexeu muito comigo. Logo que saí da clínica, passei a freqüentar as reuniões dos AA, e a minha vida começou a retornar aos poucos. Hoje, já se passaram 10 anos e ainda continuo a participar de todas as sessões dos AA. Eu preciso disso para me manter sóbrio e vivo, porque o tempo passa, a gente esquece o inferno que viveu e pode cair nessa armadilha novamente."D. , 27 ANOS, S ÃO PAULO, SP

O QUE MUDA COM A LEI SECA

A nova Lei 11.705, que altera o Código de Trânsito Brasileiro, bateu forte na moçada que freqüenta baladas, reuniões com amigos e comemorações, e quer dirigir depois de ter bebido umas a mais. antes era permitida a ingestão de até 6 decigramas de álcool por litro de sangue, o que equivale a dois copos de cerveja. Hoje, o consumo de qualquer quantidade de bebidas alcoólicas por condutores de veículos está proibido. “essa nova lei incentiva a diminuição do consumo com penalidades restritivas, como a possibilidade da perda da liberdade e do direito de dirigir, e certamente diminuirá bastante o consumo de álcool pelas conseqüências que o ato pode gerar. Quem trabalha em emergência já está notando a mudança”, comemora Gama Filho.

Para Marcelo Niel, “os excessos podem até ser um componente da juventude, mas a gente percebe também uma tendência maior de pais que não sabem impor limites aos adolescentes. Eles se sentem culpados em controlar a vida dos filhos que acabam se transformando numa geração sem limites, ‘liberados demais’. E crianças com uma supervisão ineficiente dos adultos são presas fáceis do álcool, do fumo e de várias outras drogas”.

Corpo padece
O álcool precisa ser ingerido em cada vez mais quantidade para agir no organismo com a mesma eficiência da primeira vez. E sua ingestão contínua traz efeitos bem nocivos ao cérebro do adolescente. Quando o abuso se transforma em necessidade para a pessoa “estar bem”, configura a dependência, denominada alcoolismo, uma doença crônica, mas que pode e precisa ser controlada.

Os principais problemas físicos que um dependente enfrenta são: “cirrose e pancreatite, inflamações do estômago e do esôfago, câncer de boca e garganta, resfriados freqüentes, risco aumentado de pneumonia e outras infecções pulmonares, fraqueza do músculo cardíaco, insuficiência cardíaca, anemia, câncer de mama, doença do fígado, defi- ciência de vitaminas, sangramentos intestinais, úlceras, vômitos, diarréia e desnutrição, impotência sexual nos homens e risco de malformação e bebês de baixo peso em mulheres grávidas”, enumera Gama Filho. De uma forma geral, o abuso do álcool é ingrediente principal para o aumento do número de acidentes, da agressividade, da irritação e de comportamentos violentos. E também da depressão e do nervosismo, da redução da memória e do envelhecimento precoce.

“OS EXCESSOS PODEM ATÉ SER UM COMPONENTE DA JUVENTUDE, MAS A GENTE PERCEBE TAMBÉM UMA TENDÊNCIA MAIOR DE PAIS QUE NÃO SABEM IMPOR LIMITES AOS ADOLESCENTES”
MARCELO NIEL, PSIQUIATRA DA UNIFESP


Para não chegar a esse patamar, “os pais devem, logo que notarem que há alterações comportamentais, psicológicas ou físicas decorrentes do uso do álcool em seus filhos, procurar um médico psiquiatra que poderá avaliar o tratamento necessário para cada caso. Para alguns adolescentes, é indicada a psicoterapia, em outros, é necessário lançar mão de medicamentos”, explica o psiquiatra. O alcoólatra, de qualquer idade, é uma pessoa que perdeu a liberdade diante de um copo de bebida, não consegue se controlar, não aceita ajuda e, pior, arrasta todo mundo que convive com ele a uma situação dolorosa. Por essa razão, a família dos dependentes também precisa de ajuda, e o melhor caminho é procurar o Al-Anon, uma divisão dos Alcoólicos Anônimos, para que a família possa conversar com outras pessoas que estão passando pelo mesmo problema.

"Minha vida de ativo foi iniciada quando eu tinha 17 anos. Comecei com o álcool, passando por várias outras drogas. Cheguei ‘ao fundo do poço’ quando resolvi usar a cocaína injetável, medicamentos à base de morfina e tranqüilizantes. Tive três internações e acredito que elas tenham sido falhas porque a metodologia de tratamento não condizia com minhas necessidades e perspectivas de recuperação. No Centro Terapêutico Viva comecei a entrar em contato com meus sentimentos, conheci um pro grama de 12 passos diferente e comecei a me relacionar com meu próprio eu. Fui internado de forma involuntária, transferido de outra clíni ca. Tive problemas com a justiça e tenho certeza de que meus pais fizeram a escolha certa ao me encaminharem para um novo tratamento. A psicóloga e o terapeuta contribuíram no sentido de me fazer abrir os olhos para a importância de uma vida saudável. Tenho, inclusive, plano de publicar um livro de poesias que estou escrevendo no decorrer do meu tratamento." M.D.S., 21 ANOS, FLORIANÓPOLIS, SC

De pai para filho
Pais que foram ou são dependentes de álcool devem ficar atentos para que os filhos aprendam corretamente a lidar com bebidas alcoólicas, porque a predisposição genética existe. Mas isso não quer dizer que esse adolescente tem uma sentença predeterminada. “Estudos já comprovaram que filhos de alcoólatras têm quatro vezes mais chances de se tornarem dependentes da bebida. Mas é claro que o incentivo do meio também ajuda. E também pode ocorrer o efeito contrário, quando um jovem toma ojeriza à bebida se os pais a consomem, mas isso dependerá principalmente de sua personalidade”, explica o psiquiatra Leonardo Gama Filho.